Bela tarde de calor na capital da Bahia. Estava distraído,
aguardando o atendimento no que julgava ser o check in da TAM. De repente,
dei-me conta que não havia uma esteira, daquelas que consomem as malas ante os
nossos olhos.
- Será que estou em um balcão de vendas? Pensei com meus
botões, e pus-me a perguntar aos outros colegas de fila.
Uma jovem, também em dúvida, explicou-me:
- Estou apenas em busca de informações.
Sem que eu lhe perguntasse mais nada, falou espontaneamente:
- Minha mãe é paciente renal crônica, e recebeu a notícia de
que após dez anos de espera, saiu um órgão para transplante. Orientaram-nos para vir ao aeroporto para buscar informações sobre o translado a São Paulo.
Fiquei pálido. Disse-lhe também de pronto:
- Também tenho insuficiência renal crônica. Passe na minha
frente. Quanto mais tempo sua mãe ficar em Salvador, pior para o transplante.
Vá à frente e se informe, e boa sorte.
O rapaz que estava na minha frente também foi imediatamente solícito.
Ela se emocionou.
- Eu não havia percebido que você era renal crônico.
E olhou com aquele olhar experiente os braços, encontrando
as discretas marcas das fístulas artério-venosas.
Ela se informou e a atendente do balcão havia-lhe dito que
não havia vagas.
Fiquei perplexo. Dez anos de espera por um órgão, e a
companhia aérea não tem vagas? Vagas para a vida?
Mesmo sendo enxerido, procurei outra funcionária, agora na
fila que deveria ter entrado desde sempre. Ela me informou, solícita:
- Ela deveria ter conversado com a supervisora.
Saí correndo. A funcionária ainda me disse, senhor faça
primeiro seu check in... Mas eu não podia fazer check in se uma colega de
hemodiálise dependia de alguma informação para fazer o transplante, que lhe
asseguraria qualidade de vida, e, talvez, vida.
Encontrei o grupo
composto de filha, talvez genro e neta, sem ação, e lhes disse:
- Vocês conseguiram?
- Informaram-me que não há vagas.
- Vamos falar com a supervisora.
A funcionária da TAM, ainda solícita, contatou a
supervisora, que ficou de vir.
Desliguei-me do grupo e comecei a fazer o check in, quando,
atrás do balcão, aparece uma funcionária, com pinta de supervisora, perguntando
quem a chamou. Mais enxerido, expliquei-lhe a situação, após perceber que era a
solução dos “nossos” problemas. Ela procurou o grupo, que aguardava.
Terminei o check-in e desejei-lhes sorte. Acho que o
problema começou a encaminhar-se para a solução, e fiquei aliviado.
Não sei, leitor, como a história terminou. Espero que haja
mais uma senhora transplantada, e que o transplante dure muitos e muitos anos,
como os casamentos de contos de fadas.
Fiquei a pensar como o sistema de transplantes fora da
cidade que se reside é frágil. “Vá ao aeroporto e fique de prontidão, em busca
de informações”. Nem número do voo, nem lugar, nem prioridade, apenas boa
vontade de quem tem o poder limitado para solucionar o problema.
Ainda falta muito, e coisas muito óbvias, além do ato de
doação de órgãos, para que os transplantes sejam bem sucedidos no Brasil.