quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

MAIS UMA TARDE NEGRA NA SECRETARIA DA SAÚDE



A tarde estava chuvosa quando cheguei às 15 horas na Secretaria. Levava uma ordem judicial já vencida, um relatório médico, receitas, um documento com o agendamento, explicando que eu havia recebido uma quantidade menor de remédios que a que eu alegara estar escrita na ação judicial e que voltaria para tentar a dispensa do resto do medicamento necessário ao tratamento.

Os cidadãos que entram na justiça contra a secretaria recebem um tratamento de segunda. Segundo andar, quero dizer. Lá em baixo, no processo normal, recebemos um papel indicando que medicamentos, doses e datas de dispensação estão sendo realizados. No segundo, não. Um papelzinho, dizendo: volta no dia x. 

Curiosamente, já me explicaram que o cidadão tem o direito de receber as decisões dos órgãos por escrito, para a defesa dos seus direitos. Está na constituição. Mas não saiu do papel nem entrou na mente dos funcionários que trabalham no segundo. 

- Isso não significa nada para mim! Ouvi. Era uma referência à cópia da ordem judicial que levei, na esperança de diálogo. 

Não houve diálogo. Eu deveria conversar com a advogada do caso, da parte do Estado. Mas o telefone dela não atende nunca. Nem sequer é um telefone fora do gancho. Ouve-se a voz eletrônica dizendo: "Não foi possível completar a sua chamada..."

Então é um problema sem fim. A funcionária me ofereceu dois vidros de remédio, desde que eu só voltasse daí a três meses... Quando disse que não estava entendendo, e que se esta fosse a condição, eu nem iria recebê-los, ela os arremessou (raiva?) para a estante que ficava atrás. 

Quando disse que ela não me oferecia opção, que eu teria que registrar um boletim de ocorrência para assegurar meu direito, ela não se incomodou. Creio que disse que fizesse o que achasse correto.

Eu já havia visto outras "cenas de guerra", antes da minha. Coisas que tocariam qualquer um. Uma senhora com o abdômem volumoso, ordem judicial, dois filhos adultos, sendo procrastinada há alguns dias, inicialmente por falta de uma procuração. Depois porque a Secretaria estava providenciando um lugar para o medicamento ser aplicado. Uma jovem estava buscando um aparelho que regulava as doses de insulina, portadora de diabetes 1, com histórico de complicações. Foi tratada aos berros, quando começou a chorar e revoltou-se por dizer que o próprio funcionário que havia escrito para ela retornar, negava o conteúdo com a letra de próprio punho.

O que mais me incomodou foi o olhar dos outros. Mais de dez pessoas na sala de espera, e o olhar entre elas era como se nada estivesse acontecendo. Entendi que ninguém queria se envolver, nem com um olhar de compaixão. Imagino que estivessem pensando como eu, que dependeria no futuro dos funcionários, então era melhor ficar calado para não ser retaliado.

Nas conversas, lembrei dos judeus na mão da SS. Um dizia que a funcionária X tratava a todos bem, mas que o funcionário Y tratava mal. E os nomes variavam nas bocas dos interlocutores, que falavam isso a meia voz. A SS levava os judeus para o extermínio nas florestas, antes da "solução final". Eles dividiam pais, filhos, irmãos, vizinhos em duas filas. Todos ficavam na esperança de que apenas uma das filas teria um desfecho funesto. Na verdade, todos eram executados. Comecei a pensar se o mecanismo psicológico não seria o mesmo.

Chegaram os policiais, chamados através do eficiente 190.

Eles queriam negociar, intermediar o conflito e resolvê-lo com diálogo (eu também....) Foi infrutífero. A funcionária recusou até mesmo a oferta que havia feito (dar três vidros por três meses), e disse que tinha que ir para casa, que estava cansada. Devia estar mesmo, mas com certeza não havia feito hemodiálise pela manhã, nem usava uma bomba de heparina no corpo, e não me parecia que teria câncer. Informaram aos agentes da lei que não havia responsável presente. Engraçado! Na UFMG, na falta de uma autoridade, responde a imediatamente superior, na falta dela, a imediatamente inferior. Ali, não. É uma repartição irresponsável, quero dizer, sem responsável, afinal, já eram cinco da tarde (e ninguém tinha nada a ver com o fato de eu ter chegado às três).

Pedi uma cópia da tela de computador que indicava que eu tinha direito a apenas um vidro do medicamento. Negada. Afinal, eu não devo mesmo ser cidadão, sou alguma espécie de sub-cidadão que fica demandando na justiça contra o estado por uma questiúncula, como a minha saúde pessoal. Fico pensando se tenho mesmo direito, se a sentença judicial não é um delírio, causado pela minha doença de base.

Terminei o dia em uma companhia de polícia, registrando o boletim de ocorrência, sem a presença de representante da Secretaria. Apenas a minha versão, e a de minha colega, que ficou sem um dos sensores necessários ao seu tratamento. Ela terá apenas mais dez dias de aplicação correta de insulina. E depois?

Depois não é problema dos servidores da secretaria...

15 comentários:

  1. As prioridades estão nas contas da Petrobras (será mesmo?), nos presos da Papuda, na Copa do Mundo, nas medidas eleitoreiras para as eleições de 2014, nas maquiagens dos números...... Tudo, menos o Respeito ao Contribuinte, o Respeito ao Ser Humano

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  2. Obrigado pelo comentário, Carmine. Infelizmente, é o que a imprensa brasileira dá luz. Falta algum trabalho investigativo dos jornalistas dentro destes bolsões de injustiça do Estado.

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  3. Pessoal, como houve perguntas, tenho que esclarecer que não se trata da dispensação na Rua dos Otoni. Eles são muito corteses, e agem com bom senso, sempre dentro da lei. É a repartição da dispensação de medicamentos no segundo andar da entrada da Av. Brasil.

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  4. Jader, nao sei se eu estarei ajudando ... mas vc ja encaminhou uma denuncia a Ouvidoria Geral do Estado? E a Comissao de Saude da Assembleia Legislativa? Sei que achamos que nada ira resolver, mas eu tentaria! Sou mae de um menino insulinodependente e todo mes recebo os insumos no SUS. Nao precisei ainda que recorrer a justica, mas sou totalmente solidaria a sua denuncia, pois ja ouvi muitas reclamacoes como a sua, a respeito da referida secretaria. E ouvir isso doi.Doi muito. Alexandra

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    1. Alexandra, enviei solicitação para o Deputado Carlos Mosconi, presidente da comissão de saúde da ALEMG e para outro membro da referida comissão. Aguardemos. Obrigado pela sugestão.

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    2. Alexandra, o chefe de gabinete do Dep. Mosconi me respondeu, O assunto será levado à comissão. Aguardemos!

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    3. Alexandra, registrei o acontecido na Ouvidoria Geral do Estado. Listei outras irregularidades e pedi apuração. Espero conseguir resultados. Obrigado pela sugestão.

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  5. Alexandra, quando fui impedido de entrar com a documentação para solicitar uma certidão negativa da SES, fiz uma queixa à ouvidoria da SES. Eles me responderam que eu estava errado, que precisava levar o documento x (que havia sido levado). Quando escrevi novamente dizendo que não fazia sentido, que não devia ter me explicado com clareza, recebi uma resposta dizendo que eles não forneciam certidões negativas (ou seja, que eles não cumpriam a constituição). Posso fazer a queixa, deste novo incidente. Afinal, é uma sentença judicial, não é mesmo?

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  6. Lamentável. Infelizmente, só quando sentimos na própria pele vemos a real dimensão do problema. No mais, ficamos omissos, nem ligamos para os altos salários e privilégios da classe governante. Acho que somos realmente ignorantes, considerando os diferentes sentidos desta palavra: não sabemos, somos incapazes...

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  7. Alexandra, enviei solicitação para o Deputado Carlos Mosconi, presidente da comissão de saúde da ALEMG e para outro membro da referida comissão. Aguardemos. Obrigado pela sugestão.

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  8. Como disse a colega acima, provavelmente não vai ajudar muito entrar em contato com a Comissão de Saúde da Assembleia, até porque seu presidente, Carlos Mosconi, é do mesmo partido do governador. Mas não custa tentar. O telefone do gabinete dele é 2108-5488. Boa sorte.

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    1. Fernando, eu escrevi também para o membro do PT na comissão. Não consegui escrever para todos, porque o software da Assembleia apresentou algum problema na hora da submissão. Obrigado pela informação.

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  9. Comunico aos interessados que registrei queixa na ouvidoria geral do Estado, solicitando que as diversas irregularidades testemunhadas sejam apuradas, responsabilizadas e corrigidas pelo órgão.

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  10. Comunico aos leitores do blog que já recebi a seguinte resposta da Ouvidoria Geral do Estado:

    Prezado senhor Jáder dos Reis Sampaio,

    A Ouvidoria Geral do Estado (OGE) e a Ouvidoria de Saúde agradecem e ressaltam a importância de sua manifestação para auxiliar o Governo de Minas no aperfeiçoamento dos serviços públicos. As providências cabíveis serão adotadas. Iniciamos o processo pedindo informações ao órgão responsável pela área de sua solicitação. Manifestar-se perante a ouvidoria é exercer a cidadania. Aguarde nossa resposta.
    Atenciosamente,

    Ouvidoria Geral do Estado de Minas Gerais (OGE).

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  11. Recebi também a seguinte informação:

    Prezado senhor Jáder dos Reis Sampaio,

    Comunicamos o envio de sua manifestação a Assessoria Técnica/SES, para os encaminhamentos pertinentes. Desta Feita, tão logo obtivermos retorno da questão entraremos em contato com V.Sa.
    Atenciosamente,

    Ouvidoria Geral do Estado/Ouvidoria de Saúde.

    Aguardemos.

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