domingo, 27 de outubro de 2013

EM BUSCA DO ÓRGÃO DOADO



Bela tarde de calor na capital da Bahia. Estava distraído, aguardando o atendimento no que julgava ser o check in da TAM. De repente, dei-me conta que não havia uma esteira, daquelas que consomem as malas ante os nossos olhos.

- Será que estou em um balcão de vendas? Pensei com meus botões, e pus-me a perguntar aos outros colegas de fila.

Uma jovem, também em dúvida, explicou-me:

- Estou apenas em busca de informações.

Sem que eu lhe perguntasse mais nada, falou espontaneamente:

- Minha mãe é paciente renal crônica, e recebeu a notícia de que após dez anos de espera, saiu um órgão para transplante. Orientaram-nos para vir ao aeroporto para buscar informações sobre o translado a São Paulo.

Fiquei pálido. Disse-lhe também de pronto:

- Também tenho insuficiência renal crônica. Passe na minha frente. Quanto mais tempo sua mãe ficar em Salvador, pior para o transplante. Vá à frente e se informe, e boa sorte.

O rapaz que estava na minha frente também foi imediatamente solícito.

Ela se emocionou.

- Eu não havia percebido que você era renal crônico.

E olhou com aquele olhar experiente os braços, encontrando as discretas marcas das fístulas artério-venosas.

Ela se informou e a atendente do balcão havia-lhe dito que não havia vagas.
Fiquei perplexo. Dez anos de espera por um órgão, e a companhia aérea não tem vagas? Vagas para a vida?

Mesmo sendo enxerido, procurei outra funcionária, agora na fila que deveria ter entrado desde sempre. Ela me informou, solícita:

- Ela deveria ter conversado com a supervisora.

Saí correndo. A funcionária ainda me disse, senhor faça primeiro seu check in... Mas eu não podia fazer check in se uma colega de hemodiálise dependia de alguma informação para fazer o transplante, que lhe asseguraria qualidade de vida, e, talvez, vida.

Encontrei  o grupo composto de filha, talvez genro e neta, sem ação, e lhes disse:

- Vocês conseguiram?

- Informaram-me que não há vagas.

- Vamos falar com a supervisora.

A funcionária da TAM, ainda solícita, contatou a supervisora, que ficou de vir.
Desliguei-me do grupo e comecei a fazer o check in, quando, atrás do balcão, aparece uma funcionária, com pinta de supervisora, perguntando quem a chamou. Mais enxerido, expliquei-lhe a situação, após perceber que era a solução dos “nossos” problemas. Ela procurou o grupo, que aguardava.

Terminei o check-in e desejei-lhes sorte. Acho que o problema começou a encaminhar-se para a solução, e fiquei aliviado.

Não sei, leitor, como a história terminou. Espero que haja mais uma senhora transplantada, e que o transplante dure muitos e muitos anos, como os casamentos de contos de fadas.

Fiquei a pensar como o sistema de transplantes fora da cidade que se reside é frágil. “Vá ao aeroporto e fique de prontidão, em busca de informações”. Nem número do voo, nem lugar, nem prioridade, apenas boa vontade de quem tem o poder limitado para solucionar o problema.


Ainda falta muito, e coisas muito óbvias, além do ato de doação de órgãos, para que os transplantes sejam bem sucedidos no Brasil.