sábado, 21 de dezembro de 2013

DE VOLTA À SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE - MG


Dia 18 retornei à Secretaria de Estado da Saúde de MG para obter a dispensa de medicamentos. Já "escolado", peguei a senha do segundo andar e fui verificar o número de pessoas. Umas dez, na sala de espera, o suficiente para sair, ir buscar o medicamento no primeiro andar (os que são regularmente disponibilizados pela Farmácia de Minas, sem a necessidade de processo judicial) e voltar. 

Deu certo. Lá em baixo ganhei prioridade por ter feito hemodiálise, marquei o retorno, recebi os remédios, voltei ao segundo andar e fiquei esperando. Trinta minutos de cadeira e fui recebido por um dos servidores, que estava acompanhado por um senhor que observava os atendimentos (estaria aprendendo? seria alguma espécie de fiscal? não me senti à vontade para perguntar).

Como até o momento o terminal de computador (considerado o "juiz", em vez da sentença judicial, pelos servidores deste setor) ainda apontava a dispensa de um vidro de cinacalcete por mês, recebi novamente a proposta-imposição: iria levar dois vidros por dois meses. Eu lhe disse, urbanamente, que fizesse o que achasse melhor.

O servidor se incomodou com a receita, afinal, ela pede três vidros por mês. Leu o papel e me perguntou se havia entrado em contato com a advogada. Eu já estou cansado de explicar o óbvio e ser tratado como incompetente ou mentiroso, então lhe respondi: - Não adianta. Optamos pela via judicial.

Ele me perguntou se eu estava sendo assistido pela defensoria pública. Respondi-lhe que não, que tenho um advogado particular. Ele perguntou se o recurso já tinha sido encaminhado ao juiz. Disse que sim, e o assunto morreu por aí.

Desisti de apresentar a sentença judicial e de pedir que entrasse em contato com a advogada do estado, que lessem-lhe o papel e que lhe pedissem para autorizar o que já estava ordenado. Como diz o quadrinho aí em cima, lá é apenas a dispensação, e eles não têm por função, papel ou obrigação, entrar em contato com as pessoas que definem o que eles próprios devem fazer.

Graças a esta cultura burocrática, a cultura da função, tenho que voltar ao juiz, avisar-lhe que não está sendo obedecido e aguardar que estabeleça novas penalidades para a secretaria, notifique-a e faça-a cumprir sua obrigação. Uma conversa seria suficiente para a resolução deste impasse, mas um número de telefone que não recebe ligações é o único canal disponível para a solução pelo diálogo, e não há intermediação possível.

Não lhe disse que acionei a Ouvidoria Geral do Estado e a Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa. Para quê? Isto só o colocaria na defensiva, e meu problema continuaria sem solução.

Recebi dois vidros de cinacalcete. Lembrei mais uma vez do relatório da minha médica no processo:

"Em maio de 2013, iniciou o uso de Cinacalcet (dose inicial de 30 mg/dia) com boa resposta inicial à medicação e redução do PTH (1380 pg/ml para 1091 pg/ml). Solicito liberação da medicação (90 mg/dia) para continuidade e otimização do tratamento".

Estamos em dezembro, e o tratamento em dose inferior à dose de ataque não foi suficiente para obter a redução necessária do PTH. Nos últimos exames, ele já estava na casa dos 1700 pg/ml). Um retrocesso, que espero conseguir reverter no futuro, quando algum dos cursos de ação empreendidos for bem sucedido.

Desejei feliz natal ao suposto Cristiano. Ele me olhou com alguma surpresa. Desejou-me feliz natal também. Agora voltarei apenas em fevereiro, a menos que aconteça alguma coisa antes, mas virão as férias forenses, e a novela vai continuar.


quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

MAIS UMA TARDE NEGRA NA SECRETARIA DA SAÚDE



A tarde estava chuvosa quando cheguei às 15 horas na Secretaria. Levava uma ordem judicial já vencida, um relatório médico, receitas, um documento com o agendamento, explicando que eu havia recebido uma quantidade menor de remédios que a que eu alegara estar escrita na ação judicial e que voltaria para tentar a dispensa do resto do medicamento necessário ao tratamento.

Os cidadãos que entram na justiça contra a secretaria recebem um tratamento de segunda. Segundo andar, quero dizer. Lá em baixo, no processo normal, recebemos um papel indicando que medicamentos, doses e datas de dispensação estão sendo realizados. No segundo, não. Um papelzinho, dizendo: volta no dia x. 

Curiosamente, já me explicaram que o cidadão tem o direito de receber as decisões dos órgãos por escrito, para a defesa dos seus direitos. Está na constituição. Mas não saiu do papel nem entrou na mente dos funcionários que trabalham no segundo. 

- Isso não significa nada para mim! Ouvi. Era uma referência à cópia da ordem judicial que levei, na esperança de diálogo. 

Não houve diálogo. Eu deveria conversar com a advogada do caso, da parte do Estado. Mas o telefone dela não atende nunca. Nem sequer é um telefone fora do gancho. Ouve-se a voz eletrônica dizendo: "Não foi possível completar a sua chamada..."

Então é um problema sem fim. A funcionária me ofereceu dois vidros de remédio, desde que eu só voltasse daí a três meses... Quando disse que não estava entendendo, e que se esta fosse a condição, eu nem iria recebê-los, ela os arremessou (raiva?) para a estante que ficava atrás. 

Quando disse que ela não me oferecia opção, que eu teria que registrar um boletim de ocorrência para assegurar meu direito, ela não se incomodou. Creio que disse que fizesse o que achasse correto.

Eu já havia visto outras "cenas de guerra", antes da minha. Coisas que tocariam qualquer um. Uma senhora com o abdômem volumoso, ordem judicial, dois filhos adultos, sendo procrastinada há alguns dias, inicialmente por falta de uma procuração. Depois porque a Secretaria estava providenciando um lugar para o medicamento ser aplicado. Uma jovem estava buscando um aparelho que regulava as doses de insulina, portadora de diabetes 1, com histórico de complicações. Foi tratada aos berros, quando começou a chorar e revoltou-se por dizer que o próprio funcionário que havia escrito para ela retornar, negava o conteúdo com a letra de próprio punho.

O que mais me incomodou foi o olhar dos outros. Mais de dez pessoas na sala de espera, e o olhar entre elas era como se nada estivesse acontecendo. Entendi que ninguém queria se envolver, nem com um olhar de compaixão. Imagino que estivessem pensando como eu, que dependeria no futuro dos funcionários, então era melhor ficar calado para não ser retaliado.

Nas conversas, lembrei dos judeus na mão da SS. Um dizia que a funcionária X tratava a todos bem, mas que o funcionário Y tratava mal. E os nomes variavam nas bocas dos interlocutores, que falavam isso a meia voz. A SS levava os judeus para o extermínio nas florestas, antes da "solução final". Eles dividiam pais, filhos, irmãos, vizinhos em duas filas. Todos ficavam na esperança de que apenas uma das filas teria um desfecho funesto. Na verdade, todos eram executados. Comecei a pensar se o mecanismo psicológico não seria o mesmo.

Chegaram os policiais, chamados através do eficiente 190.

Eles queriam negociar, intermediar o conflito e resolvê-lo com diálogo (eu também....) Foi infrutífero. A funcionária recusou até mesmo a oferta que havia feito (dar três vidros por três meses), e disse que tinha que ir para casa, que estava cansada. Devia estar mesmo, mas com certeza não havia feito hemodiálise pela manhã, nem usava uma bomba de heparina no corpo, e não me parecia que teria câncer. Informaram aos agentes da lei que não havia responsável presente. Engraçado! Na UFMG, na falta de uma autoridade, responde a imediatamente superior, na falta dela, a imediatamente inferior. Ali, não. É uma repartição irresponsável, quero dizer, sem responsável, afinal, já eram cinco da tarde (e ninguém tinha nada a ver com o fato de eu ter chegado às três).

Pedi uma cópia da tela de computador que indicava que eu tinha direito a apenas um vidro do medicamento. Negada. Afinal, eu não devo mesmo ser cidadão, sou alguma espécie de sub-cidadão que fica demandando na justiça contra o estado por uma questiúncula, como a minha saúde pessoal. Fico pensando se tenho mesmo direito, se a sentença judicial não é um delírio, causado pela minha doença de base.

Terminei o dia em uma companhia de polícia, registrando o boletim de ocorrência, sem a presença de representante da Secretaria. Apenas a minha versão, e a de minha colega, que ficou sem um dos sensores necessários ao seu tratamento. Ela terá apenas mais dez dias de aplicação correta de insulina. E depois?

Depois não é problema dos servidores da secretaria...

sábado, 30 de novembro de 2013

MANUAL DE SOBREVIVÊNCIA NA SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE: CINACALCETE.


O desequilíbrio do organismo sem funcionamento renal pode gerar problemas novos, um deles é o hiperparatireoidismo. As glândulas paratireóides, interpretando que é necessário produzir mais paratormônio para regular algumas substâncias que identificam no corpo, vão crescendo e crescendo e produzindo níveis enormes e efeitos indesejados.

A medicina pode começar o tratamento com vitamina D, como o alfacalcidol, o calciferol ou com um remédio chamado de calcijex, aplicado na máquina de hemodiálise quase ao "apagar das luzes". 

No meu caso, isso funcionou durante muitos anos. Os médicos conseguiram "enganar" a glândula com esta química. Não sei dizer porque, minha paratireóide e a de muitos colegas de condição de saúde não se deixa mais enganar por estes remédios, que são dispensados pela Secretaria de Estado da Saúde.

Os níveis de PTH voltam a subir, perigosamente, e os desfechos são variados, nada bons. Atualmente surgiram pelo menos duas novas drogas para tentar impedir a secreção excessiva do hormônio: o Cinacalcete e o Paracalcitol. Eles possibilitam um tratamento onde falham os demais medicamentos, e evita a outra possibilidade de tratamento: fazer uma cirurgia para retirar as glândulas que ficaram excessivamente grandes e implantar as outras em outro local, como no braço.

A cirurgia pode gerar um problema de igual magnitude: o hipoparatireoidismo. 

Os medicamentos, portanto, são a melhor escolha, mas há um problema: uma caixinha de cinacalcete custa entre 600 e 700 reais para o consumidor final, não é fabricada no Brasil, e não é distribuída pelo sistema de saúde.

Começa então a luta pelo direito: o único caminho possível para obtê-los é abrir um processo contra o Estado, que procrastina o quanto pode sua dispensação, não sei dizer se por razões financeiras, se por problemas burocráticos.

Desde setembro tenho uma ordem judicial para que a SES do meu estado dispense 3 caixas de Cinacalcete por mês, o que permite a chamada "dose de ataque" (tomar uma quantidade maior do medicamento para regular o problema, o que permite tomar uma quantidade menor, posterior, para manutenção). 

A SES já descumpriu a ordem, e depois de muita conversa consegui a dispensação de uma caixa. Tentaremos conversar mais, para evitar voltar em juízo, mas ainda não sei se serei bem sucedido.

Não é curiosa a negligência dos órgãos públicos com as deliberações do judiciário? Será necessário fazer coisas como registrar boletins de ocorrência, para obter um direito? Espero que não.

Se você que me lê tem hiperparatireoidismo secundário à insuficiência renal, tenha bom ânimo para enfrentar a burocracia estatal, não fique adiando entrar na justiça pelo trabalho que dá, nem se intimide ante a máquina burocrática. Afinal, o único prejudicado é você mesmo.

domingo, 27 de outubro de 2013

EM BUSCA DO ÓRGÃO DOADO



Bela tarde de calor na capital da Bahia. Estava distraído, aguardando o atendimento no que julgava ser o check in da TAM. De repente, dei-me conta que não havia uma esteira, daquelas que consomem as malas ante os nossos olhos.

- Será que estou em um balcão de vendas? Pensei com meus botões, e pus-me a perguntar aos outros colegas de fila.

Uma jovem, também em dúvida, explicou-me:

- Estou apenas em busca de informações.

Sem que eu lhe perguntasse mais nada, falou espontaneamente:

- Minha mãe é paciente renal crônica, e recebeu a notícia de que após dez anos de espera, saiu um órgão para transplante. Orientaram-nos para vir ao aeroporto para buscar informações sobre o translado a São Paulo.

Fiquei pálido. Disse-lhe também de pronto:

- Também tenho insuficiência renal crônica. Passe na minha frente. Quanto mais tempo sua mãe ficar em Salvador, pior para o transplante. Vá à frente e se informe, e boa sorte.

O rapaz que estava na minha frente também foi imediatamente solícito.

Ela se emocionou.

- Eu não havia percebido que você era renal crônico.

E olhou com aquele olhar experiente os braços, encontrando as discretas marcas das fístulas artério-venosas.

Ela se informou e a atendente do balcão havia-lhe dito que não havia vagas.
Fiquei perplexo. Dez anos de espera por um órgão, e a companhia aérea não tem vagas? Vagas para a vida?

Mesmo sendo enxerido, procurei outra funcionária, agora na fila que deveria ter entrado desde sempre. Ela me informou, solícita:

- Ela deveria ter conversado com a supervisora.

Saí correndo. A funcionária ainda me disse, senhor faça primeiro seu check in... Mas eu não podia fazer check in se uma colega de hemodiálise dependia de alguma informação para fazer o transplante, que lhe asseguraria qualidade de vida, e, talvez, vida.

Encontrei  o grupo composto de filha, talvez genro e neta, sem ação, e lhes disse:

- Vocês conseguiram?

- Informaram-me que não há vagas.

- Vamos falar com a supervisora.

A funcionária da TAM, ainda solícita, contatou a supervisora, que ficou de vir.
Desliguei-me do grupo e comecei a fazer o check in, quando, atrás do balcão, aparece uma funcionária, com pinta de supervisora, perguntando quem a chamou. Mais enxerido, expliquei-lhe a situação, após perceber que era a solução dos “nossos” problemas. Ela procurou o grupo, que aguardava.

Terminei o check-in e desejei-lhes sorte. Acho que o problema começou a encaminhar-se para a solução, e fiquei aliviado.

Não sei, leitor, como a história terminou. Espero que haja mais uma senhora transplantada, e que o transplante dure muitos e muitos anos, como os casamentos de contos de fadas.

Fiquei a pensar como o sistema de transplantes fora da cidade que se reside é frágil. “Vá ao aeroporto e fique de prontidão, em busca de informações”. Nem número do voo, nem lugar, nem prioridade, apenas boa vontade de quem tem o poder limitado para solucionar o problema.


Ainda falta muito, e coisas muito óbvias, além do ato de doação de órgãos, para que os transplantes sejam bem sucedidos no Brasil.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

RENAIS: CUIDADO COM A DEPRESSÃO



O paciente renal está sujeito a transtornos mentais. São muitos estudos com resultados um pouco diferentes, então vamos comentar aos poucos.

Nuñez e outros (2004) fizeram um trabalho com 75 pacientes em três hospitais espanhóis. Quantos apresentavam depressão? O resultado não é otimista: 22,7% deles apresentavam depressão moderada ou grave e 30,7% apresentaram depressão leve.

Quais são os sintomas de depressão no paciente renal?

Observe se ao longo de duas semanas o paciente está apresentando alguns (e não apenas um) desses sintomas (critérios do DSMIV):

- Chora muito
- Sente-se triste ou vazio
- Não tem interesse pelas atividades
- Não sente prazer em fazer atividades que antes eram prazerosas
- Perda ou ganho significativo de peso sem estar de dieta (cuidado com este sintoma, que pode ser por causa de desnutrição com a diálise e não da depressão)
- Insônia ou excesso de sono
- Sente-se inútil ou culpado sem razão
- Fadiga ou perda de energia (fora do horário imediatamente após a hemodiálise, no qual é normal sentir-se cansado em função da “retirada do líquido excessivo”)
- Dificuldade de concentração
- Indecisão em situações simples
- Vontade de morrer, ideias suicidas

Estes sintomas demandam cuidados. Se há suspeita de depressão, o melhor profissional para avaliá-la e trata-la com medicamentos é o psiquiatra. O paciente pode ser beneficiado pelo tratamento psicológico simultâneo.

Evitem a “tentação” de querer que os nefrologistas tratem da depressão de seus  pacientes. Eles são médicos e têm habilitação para tal, mas não são especializados em transtornos mentais.  Os psiquiatras têm muito mais traquejo para acompanhar este tipo de tratamento, na minha opinião.

Lamentavelmente, apesar da alta prevalência (grande número de pacientes renais com depressão) as normas que regulam o tratamento não preveem facilidade de acesso ao tratamento psiquiátrico, o que acaba aumentando o risco de suicídio e a diminuição da qualidade de vida do paciente.

Algumas situações exigem maior atenção da equipe, especialmente do serviço de psicologia: 

1. Infecção do peritônio (peritonite) de pacientes em diálise peritoneal
2. Perda da função renal com início do tratamento substitutivo (hemodiálise, diálise peritoneal ou transplante renal)
3. Perda de fístula por paciente em hemodiálise 
4. Perda de órgão transplantado

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

NUNCA COCA-COLA



Um dos íons que deve ser retirado do sangue durante a hemodiálise é o fósforo. É um elemento chatinho de tirar, porque só sai, em média, nas duas primeiras horas de diálise. O capilar retira o fósforo que estiver na corrente sanguínea, mas o fósforo que estiver dentro das células demora muito a sair.

Li em algum lugar que durante uma sessão de diálise se consegue retirar 800 mg de fósforo, apenas. Complicado, porque o fósforo é muito difícil de restringir apenas com dieta, exigindo que os pacientes tomem o que chamamos de quelantes de fósforo (ou carbonato de cálcio, ou acetato de cálcio, ou renagel, que é o cloridrato de sevelâmer, ou hidróxido de alumínio). Os quelantes "grudam" no fósforo que ingerimos com os alimentos e o elimina nas fezes.

Os pacientes renais em tratamento substitutivo têm que controlar o consumo de alimentos com fósforo, e evitar ao máximo os de alto teor de fósforo. Adivinha o que tem fósforo? Isso mesmo, a Coca Cola e os refrigerantes similares, à base de cola. Eles têm na sua fórmula de fabricação o ácido fosfórico, ou seja, fósforo líquido! 

A quantidade parece não ser grande, são cerca de 60 mg de fósforo, para uma lata de refrigerante, mas por que beber este tipo de refrigerante se há outros tipos de bebida sem fósforo?

Então o que fazer? Beba limonada ou suco de abacaxi, que têm nenhum fósforo e baixo potássio.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

QUANTA ÁGUA DEVO TOMAR?



Uma âncora famosa de jornalismo televisivo me ofereceu água. Eu agradeci, e disse que não podia tomar. Ela insistiu, porque um médico havia recomendado o consumo de dois litros de água por dia. Eu expliquei que no caso dos pacientes em diálise é diferente. Ela pareceu não entender, ou não concordar.

Então vou explicar. Primeiro é preciso saber se o renal está em tratamento conservador (está perdendo a função renal mas ainda não faz qualquer tipo de diálise) ou em tratamento dialítico (faz hemodiálise ou diálise peritoneal. Vou deixar os transplantados de fora, aqui.)

Em tratamento conservador, a "regra dos dois litros" se aplica. Por que? Porque os rins estão funcionando e o paciente urina, ou seja, elimina o excesso de líquido do organismo, junto com elementos que não devem ficar no sangue, como o potássio e o fósforo. Não quer dizer que tenha que ser dois litros exatamente, mas é uma boa referência.

Em tratamento dialítico, o paciente deve consumir meio litro por dia de líquido. Por que? Por que como ele urina pouco ou não urina (anúrico) todo o líquido ingerido, até a próxima sessão de diálise, aumenta o volume do sangue. Isso sobrecarrega o coração, que tem que "bombar" uma quantidade maior de líquido, então vai aumentando sua musculatura e diminuindo sua capacidade.

Outro problema é que se o paciente ganha muito líquido entre as sessões de hemodiálise, ele tem que tirar muito líquido de uma vez (nossa clínica aceita no máximo um litro por hora de sessão, ou seja, quatro litros em uma sessão regular), correndo o risco de passar mal ao final da sessão, apresentando crises de pressão baixa (hipotensão).

Tenho colegas de tratamento que chegam a ganhar de seis a oito quilos entre duas sessões, o que é um suicídio lento.

Então, para não termos a sensação de sede, temos alguns truques, que falarei depois. O que posso aconselhar aos familiares e amigos dos pacientes renais é que apoiem seus esforços para ingerir pouco líquido (incluindo aqui as melancias, sucos, refrigerantes, cafés, etc.)

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

NOSSA INIMIGA MORTAL



A dieta do Renal Crônico é sempre uma dúvida. O que você pode comer? No período conservador (que é quando sabemos que estamos perdendo a função renal, mas ainda não precisamos de diálise) a dieta é bem mais rigorosa, ficando um pouco mais livre quando iniciamos a diálise.

É problemático escrever sobre dieta, porque há renais crônicos por diversas razões, e uma delas é o diabetes. Então, estes colegas estão no "pior dos mundos" em matéria de comida, porque têm a restrição da insuficiência renal e a do diabetes.

Hoje então quero falar do que não podemos comer: carambola (star fruit, em inglês). Eu já li trabalhos publicados em língua inglesa comunicando óbito por causa da Carambola. Isto mesmo, morte. Há trabalhos mostrando pacientes indo direto para o CTI por ter comido algumas frutinhas inocentes, em forma de estrela.

Em algumas cidades já se proíbe que as lanchonetes sirvam suco de carambola, em função dos riscos para os pacientes renais. A lei se preocupa com as pessoas que são renais e ainda não sabem. O importante é que o renal crônico (e todo mundo devia saber se é ou não) não tome suco, nem coma a fruta in natura.

Uma nutricionista explicou-me que a carambola tem uma neurotoxina que é eliminada pelos rins. Na falta da função renal, ela fica circulando pelo sangue, fazendo estrago. Nunca li nada em literatura acadêmica sobre isso, mas uma coisa é certa: carambola, nem pensar!

terça-feira, 27 de agosto de 2013

VOCÊ PERDEU UM RIM SÓ?



Há algumas fantasias disseminadas por aí sobre os pacientes renais. Há muitos anos que não temos mais "cor de cobre", nem parecemos mortos-vivos. Por isso, as pessoas nos veem e nem imaginam que temos a doença em grau terminal.

Uma famosa âncora de televisão estava me contando que um colega de sua emissora havia sido internado e teria que fazer hemodiálise. Ela comentou: a doença dele é séria, não é como a sua... (Ela não sabia que eu estava em tratamento substitutivo)

Uma pergunta que sempre nos fazem quando ficam sabendo que estamos fazendo algum tipo de diálise é: Você perdeu um rim só? É uma pergunta meio boba, porque um rim é mais que suficiente para dialisar o organismo. O transplante é feito geralmente com um órgão apenas. Os rins vieram com capacidade de sobra.

Então, se um amigo seu estiver fazendo diálise, não faça esta pergunta. Um rim só funcionando é o que queremos. Diga o que costumo ouvir: você está muito bem!

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

ANEMIA E ERITROPOIETINA


Além de filtrar a urina, os rins têm um papel regulador do organismo. Uma destas funções é a produção de eritropoetina (ou eritropoietina), que é um hormônio que "ordena" às células da medula óssea a produzir células vermelhas para o sangue. Além dos rins, o fígado também produz em menor quantidade este hormônio de nome grego.

Quando o rim perde ou tem prejudicada esta função o efeito no paciente é a anemia. Quando a anemia é acentuada, o paciente pode sentir tristeza, desânimo, fadiga constante, falda de disposição para trabalhar, entre outros sintomas psicológicos. 

Hoje já se pode adquirir a eritropoetina (EPO) para os pacientes, o que combate a anemia e seus sintomas. Como é muito cara, normalmente se pede a dispensa nas Secretarias de Estado da Saúde, mas os processos são morosos, podem durar meses, e demandam que o paciente já esteja há algum tempo com a hemoglobina abaixo de um certo nível. 

Eu vi pacientes passarem um bom aperto por não conseguir obter a eritropoetina em tempo hábil. Alguns pacientes já chegam ao tratamento substitutivo em situação grave, porque não deram atenção aos sintomas ou porque estavam assintomáticos.

Vi também famílias não entenderem que este medicamento é importante para o tratamento da doença e adiarem a entrada dos papéis na secretaria.

As injeções são dolorosas (especialmente quando aplicadas com o líquido gelado, supostamente mais eficaz), e há pacientes que evitam seu uso em função disso, debilitando seu organismo e seu estado mental. Os médicos evitam aplicar a droga na linha ao final da diálise, baseando-se em estudos que mostram redução da eficácia da EPO .


quarta-feira, 21 de agosto de 2013

A FILA DO TRANSPLANTE


Em seu estágio terminal, a Insuficiência Renal Crônica exige que as pessoas façam tratamento substitutivo para continuarem vivas. São três as formas atuais de tratamento: a diálise peritoneal, a hemodiálise e o transplante de rim. 

Eu atingi a fase terminal da IRC no final de 2005 e tenho percebido que as pessoas conhecem pouco sobre a doença e a vida do doente. Algumas perguntas são recorrentes, e costumo responder pacientemente, embora alguns colegas de hemodiálise não se disponham a fazê-lo.

A pergunta que originou este blog é: mas você está na fila do transplante, não está? Ou, você pretende fazer transplante?

Há dois problemas com esta pergunta: primeiro, a fila do transplante não é bem uma fila. Hoje se selecionam os pacientes pela antiguidade do registro, mas principalmente pela compatibilidade com o órgão doado.

O segundo, e maior, talvez criado pela imprensa: o transplante não é a solução dos problemas, mas uma forma de tratamento, talvez a que mais assegure qualidade de vida ao paciente.

Após o transplante, continua a luta para obter e utilizar os imunossupressores, que deverão auxiliar na luta contra a rejeição do órgão. Alguns pacientes perdem o órgão por motivos diversos, pouco tempo após o transplante, e outros o perdem muitos anos após, mas um transplante não é eterno ou "até que a morte os separe", como costuma imaginar e desejar os amigos de pacientes renais.

Este blog foi escrito para informar as pessoas em geral como vive esta minoria (não tão pequena, li algures que 120 mil brasileiros necessitavam fazer hemodiálise (deve ser tratamento substitutivo e não hemodiálise) e cerca de 70 mil estavam em tratamento em 2005).

Se você é paciente com IRC ou conhece alguém em tratamento substitutivo da função renal, participe do blog e conheça um pouco mais sobre necessidades, vivências, histórias, etc.